terça-feira, 29 de dezembro de 2009

EU QUERIA QUE ELA FOSSE ETERNA


Não há nada que se compare ao angú dela.
Não há nada que se compare ao cheiro do arroz com cebola dela.
Não há nada semelhante à paçoca de banana dela.
Não há nada que seja tão saboroso quanto ao bolinho de chuva com fubá que ela fazia.
Não há nada que seja tão gostoso quanto ao peixe com banana dela. Só o dela era original.
Não existe nada que seja tão confortável quanto o colinho dela.
Não há nada que seja tão bom no mundo quanto o cheirinho dela.
Não há lugar melhor para se ir do que a casa dela.
Não há nada mais abençoador do que a benção dela.
Não há nada mais engraçado do que as palhaçadas dela.
Não há nada mais irônico do que os deboches dela.
Não há oração que se compare a dela.
Não há choro que nos comova mais que o dela.
Não há contralto melhor em qualquer coral do que o dela.
Não há rosquinha melhor do que a que tinha na casa dela.
Não há melhor lugar para descansar de tarde do que o sofá dela.
Não há café da tarde que seja tão bom quanto o dela, com pão quentinho e manteiguinha fresquinha.
Não existe banana cozida que se compare a que ela fazia.
Não existe risada e sorriso que sejam tão confortantes quanto os dela ao rir das crianças.
Não há beijo que seja tão bom de se receber quanto o dela.
Não existe semelhança ao carinho dela.
Não tem como se negar a um pedido dela.
A farinha da casa dela é sempre a melhor.
Só ela me defendia da minha mãe.
A saudade dela vai sempre doer.
As lembranças dela eu nunca vou esquecer.
A memória dela vai sempre ficar eterna dentro de mim.

Te amo, querida vovó.
Um dia te verei na glória.
Isso me conforta.
Queria que a senhora fosse eterna...
Mas não era.


Vovó Zilda Dionízio de Castro
* 18/03/1942
+ 24/12/2009


Estou abismada com algo quando entrei em meu blog (depois de vários dias em sem nada postar...). O meu último post foi no dia 24 de novembro. E postei nele um email que recebi do meu pai. O assunto (se você quiser ler, dá uma olhadinha logo abaixo) é muito relevante a tudo que estamos vivendo nessa semana.
Foi tudo muito rápido e intenso.
Durante os preparativos para o NATAL, confesso que não estava muito animada. Nem comprei roupa nova, nem estava tão animada quanto ao culto na igreja, pois não consegui juntar todo mundo para fazer a peça que havia planejado. Quanto a família, minhas espectativas estavam girando em torno do meu tio Gute, tia Milaide e as meninas que viriam para cá. Meu tio Elias e querida tia Kátia também, que com as meninas, Juju e Raquel estariam conosco. Meu avô não tem estado muito bem de saúde, nem minha vó, que a qualquer momento poderia ter uma nova crise do coração, sabíamos disso, mas ela estava bem. Apesar da glicose descontrolada e do seu desconforto quanto a sua pressão, altíssima por sinal.
A minha felicidade no natal, além da importância da data, estava ligada ao meu presente que ganhei nesse ano, dentre muitos creio que esse foi o mais importante, o Luís Fernando. Seria o nosso primeiro natal juntos, que alegria, eu o amo e ele me ama. Somos felizes juntos e vamos nos casar. Estamos cheios de planos, cheios de energia e vitalidade para uma vida inteira pela frente.
Minha mãe havia falado durante a semana que não estava animada e que pudesse tomaria calmante para dormir no natal e só acordar no dia seguinte. Estranho! Ela que é tão animada! Mas é compreensível, já que seu corpo está cansado da maratona diária. Além da nossa casa para organizar e cuidar, ela tem a Rosângela que a ajuda, mamãe tem a igreja para dar assistência, como boa esposa de pastor, e ainda tinha que "dar banho" no vovô todos os dias. Sim, ela e minha tia Lala que dão banho nele (meu avô pesa mais que 150 Kg). Ele está andando de andador devido a um problema sério no joelho e precisa de cuidados redobrados. Minha mãe realmente tem andado cansada.
E eu? Eu nem tenho tido tempo para lavar meus cabelos! Minha vida é tão corrida, que nem namorar que é bom tenho feito. Mal tenho tempo para o Luís Fernando. Ainda bem que ele trabalha comigo, tanto na Assessoria de Comunicação da PMAR quanto na igreja. Somos líderes dos jovens e temos muitas atividades semanais na igreja, além do meu ministério que foi solidificado nesse ano com meu crescimento espiritual e pessoal.
Na quarta-feira, 23, estávamos em casa almoçando, com pressa como sempre, quando o telefone tocou. Era a tia Zenilda (irmã da minha vó), que disse que tínhamos que correr porque minha avó estava passando muito mal. Minha mãe mandou levá-la ao hospital. Ela tinha vomitado muito e estava prostrada no chão. Vale ressaltar que ela tinha estado muito enciumada, desde que meu avô ficou doente (ele teve água no pulmão), porque os cuidados tem sido direcionados agora a ele, também. Mas ela "também" nos preocupava, pois seu estado era realmente grave e sabíamos disso. Ela tinha coração grande, arritimia, pressão alta, diabete e outros problemas de saúde.
Minha mãe correu para o hospital e ficou lá com ela. Ela não estava muito bem, porque havia abusado da comida. Ela não fazia dieta nunca! Ela comia com vontade tudo que não podia. Comprava doces escondidos, amava comida gordurosa e enfrentava a todos com uma cara fechada quando lhe era negada alguma coisa. Naquele dia ela havia fritado peixe com uma gordura velha e usou aquele óleo para fazer um angú de farinha e misturou com uma carne que estava na geladeira. Ela chamou meu avô para comer com ela e ele disse que não tinha coragem de comer aquilo. Mas ela tinha um imenso prazer em comer! Como se satisfazia em comer do jeito dela. E naquela mesma semana ela fez uma bela paçoca de banana com toucinho de porco! Ela comeu tudo que quis!
A Lourdes, a empregada da casa, conta tudo pra gente depois e diz que não aguenta mais falar. Nós a entendemos porque nem nós aguentávamos falar de dieta com ela mais.
No Pronto Socorro, na emergência, ela ficou tomando soro e o médico não a deixou sair porque a glicosse havia subido, a pressão também, e a frequência cardíaca estava descontrolada. Além de uma dor abdominal forte, que só passava com muitos remédios.
Sinceramente, achamos que ela logo sairia para passar o natal conosco. Estávamos preocupados, mas como foram tantas idas e vindas do hospital no ano, pensamos que essa seria mais uma ocasionada ao que ela comeu. Tudo bem que o médico falou que ela não estava bem, mas nunca estava e já ouvíamos o discurso do médico semanalmente!
Ela passou a noite lá e sem ningúem porque estava na UI (Unidade Intensiva).
Na manhã seguinte, saí para comprar umas coisas que faltavam para o cenário da peça de natal da igreja (iríamos fazer algo resumido) e fui à Rua do Comércio com meu pai e meu namorado. Cumprimentamos tanta gente! Não estávamos com uma cara muito boa porque ela estava internada, mas fomos cordiais e o amigo-oculto que faríamos com a família inteira já estava cancelado. Não havia clima de muita risadagem. Haveria a ceia de natal, mas sem muita brincadeira. Afinal, a vovó estava no hospital e o médico disse que ela não sairia para passar o natal conosco.
Quando eu e meu namorado estávamos indo pegar o carro no estacionamento, meu pai ligou e me mandou passar no hospital e perguntar se a vovó havia feito a tomografia. Quando eu cheguei, a tia Lala e o tio Paulinho estavam na porta e me contaram que ela fez o raio X e o médico detectou algo estranho. Talvez fosse uma pancreatite ou uma diverticulite. Tomei um susto, porque era um problema novo! Uau... A cara da minha tia não tava muito boa e comecei a me preocupar muito agora. Mas estávamos orando e confiando em Deus e esperando porque Deus tem sempre o melhor para nós.
Minha avó era uma mulher de muita oração. Ela orava muito e suas preces eram ouvidas por todos! Ela dizia que não queria morrer, que queria viver, pois queria ver meu tio Paulinho (que é divorciado e mora com ela) bem. Queria vê-lo casado de novo e feliz. Ela queria ver o meu casamento (sou a neta mais velha) conhecer seus bisnetos e viver muito ainda.
Detalhe importante: Ela e meu avô tinham completado 50 anos de casados, bodas de ouro, no dia que ela internou!
Fiquei tensa e fomos para casa almoçar. Almoçamos todos juntos. Eu, pai, mãe, Jojô, Luís, tia Milaide, tio Gute, Lud, Jajá e Pedro (namorado da Jajá). O almoço era um delicioso pirão de galinha... minha mãe fez porque tia Milaide adora! Meu tio havia trazido o vovô lá pra casa, mas ele já tinha almoçado e ficou sentadinho na sala.
Logo após o almoço, minha mãe iria ao hospital com tio Gute e tia Milaide. Meu pai iria depois, mas ela insistiu para que ele fosse com eles logo... e eles foram.
Ficamos eu, Luís, Jojô, Jajá, Pedro e o vovô. Ficamos assistindo DVDs. O Jojô tinha ganhado o novo do Fernandinho, e não parava de assistí-lo. Antes de meu pai ir com todo mundo, eles ainda sentaram na sala e cantaram "todas as coisas cooperam para o bem daqueles te amam...". Tio Gute havia gostado muito e sentimos a presença de Deus, juntos, na sala.
Eles foram e nós ficamos. Agora o vovô pediu para sentar na varanda sozinho... Ele adora varandas! E colocamos o DVD "Pode entrar" da Ivete. A Jamille tinha baixado no laptop dela e eu queria mostrar pro Jojô a belezura daquela produção.
O Luís estava na cozinha conversando com a Rosângela, nossa secretária do lar, e eu inquieta querendo que ele ficasse com a gente... De repente eu subi e o nextel dele tocou. Ele foi atender lá fora... E meu avô pediu o dele para ligar pra alguém. Ele tava inquieto também. Depois de uns 10 minutos, o telefone de casa tocou. Eu atendi. Era minha tia Luciana chorando e perguntando pela minha mãe. E eu fiquei assustada e disparei, "aconteceu, né tia?". E ela, "não, eu quero falar com sua mãe". Eu disse que ela não estava, que estava no hospital. E logo o Luís Fernando me amparou e me mandou ficar calma e eu pedi o meu rádio (perdido pela casa, como sempre), porque queria falar com meu pai. E ele me mandando não gritar por causa do meu avô e não fazer alarde e eu já estava chorando desesperada. Liguei pro meu pai e perguntei... "pai, aconteceu alguma coisa com a vovó?" e ele respondeu: "Por que você tá perguntando?" e eu falei que tia Luciana havia ligado chorando. Ele finalizou com o que não queria nunca ter ouvido na minha vida: "sua avó faleceu". (...)
(...)
Foi instantâneo. Eu desabei, mas desabei de verdade. Como nunca em toda a minha vida. Caí no chão e não senti o chão, estava amparada, mas desafiada a não demonstrar nada por causa do meu avô. Chamei o Jojô, a Jamille e o Pedro e contei. Eles ficaram em choque. O Jojô, meu irmão, quando fica nervoso começa a rir, e foi o que ele fez, não acreditando começou a rir. A Jamille foi a fundo nas emoções como eu e chorou desesperadamente. Foi barra.
Nós duas, que pretendemos nos casar no ano que vem, falamos juntas: "Ela nem vai nos ver casando..."
Não sabíamos o que fazer com o vovô. E é claro que ele já tinha percebido. Ele percebeu no momento que o rádio do Luís haiva tocado. Ele já sabia, sentiu tudo!
Meu pai mandou que esperássemos que o meu tio Jediel e Gute viriam para contar pra ele. E eles chegaram. Foi o momento mais doloroso de todos. Eles contaram e meu avô gemia de dor. Doeu pra todos nós ouvirmos ele chorando daquele jeito, emitindo o som da perda, assustado pela realidade da morte da sua companheira de 50 anos de casamento, a mulher da sua vida, a mãe dos seus seis filhos.
Foi assim... com choro, silêncio até o velório, que foi na igreja sede. Quando chegamos, o caixão estava acabando de chegar também. Assistimos quando o colocaram na mesa. Não acreditei que estava assistindo tudo aquilo.
Minha vózinha linda, palhacenta, cheirosa, teimosa, segura e carinhosa estava lá, e nós não podíamos mais nada fazer. Só chorar pela saudade, pela dor da perda, pela falta, pelas lembranças e aceitar que essa era a vontade de Deus. Era o melhor de Deus pra nós e pra ela, também.
Passamos o natal velando seu corpo. A cada parente que chegava era mais intenso e doía mais. O culto fúnebre foi triste, mais foi lindo. Os testemunhos sobre ela eram de uma mulher de uma vida vitoriosa. Eu cantei. Mais chorei que cantei, mas afirmei que naquele dia de natal, o aniversariante era Jesus. E ele já tinha sido bom com a gente deixando que ela ficasse conosco durante todos esses anos. Agora, ele era o dono da festa, o aniversariante, e queria o presente para ele. O dono da vida quis tirar a vida da minha avó e quem somos nós para questioná-lo?
Cantei aquela "que saudade que nos traz a lembrança daqueles que já partiram para Deus...", e nem quis abrir os olhos para não fixar aquela cena na minha memória.
Doeu muito. Doeu ver minha mãe, meus tios, meus primos, meu pai e meu avô arrasados e sentindo o mesmo que eu. Creio que a dor é diferente para cada um, para cada grau de parentesco, para cada convivência, como para o meu tio Paulinho, que morava com ela, que tinha os cuidados direto dela. Diferente para a minha mãe que cuidava dela em tudo, que ficava no hospital com ela e ouvia frases do tipo "minha filha, por que você casou? Você tinha que ficar aqui cuidando de mim...".
A mais dilacerante das dores foi a sentida no momento em que fecharam a urna. Foi uma dor de "nunca mais verei".
Ela partiu, mas a "morte dos santos é vista como preciosa para o Senhor", como eu disse no post abaixo.

Eu queria que ela fosse eterna, mas não era. Ninguém é. Só Deus.

4 comentários:

Unknown disse...

Flor, vc como sempre escreve tããão bem... Mesmo num momento como esse, é bom ler suas palavras... Força! Eu sei como é difícil... Bjs

daniela araújo disse...

...
lido.
vc sabe o quanto meus avós são importantes pra mim e o quanto esse seu momento me fragiliza. estou sempre aqui pra vc. mesmo longe, tenho sempre você no coração. estou orando por todos da sua família.

Giovanna Borgh disse...

Poxa, é difícil aceitar né... não fomos feitos para isso, lidar com a morte e morrer.
Acho que por mais que a compreensão tome conta dos pensamentos, a dor da perda e saudade nunca passa. Basta fechar os olhos, respirar fundo e tentar esquecer o assunto, para tentar viver sem culpa, sem dor, sem tristeza. Mas ela volta, uma hora ela volta.

O que existe de bom nisso? Quase nada, a não ser o fato de que nas horas de tragédia e dor que a vida nos exige força e são nesses momentos que crescemos.
Quanto aprendemos a driblar nossos sentimentos para continuar, com a mão de Deus no nosso ombro dando uma força e amor incondicional.

Sinta o peso, o peso da mão dEle no seu ombro.

Um abraço!

Fabiane Marques disse...

É muitoo difícil, é dor é muito forte, só quem passa sabe,bom tbm não tive um natal e muito menos uma virada de ano,tudo vira normal, é claro q para muitos são diferente,uns acham q é drama,q é frescura ou algo parecido, pra mim só passa o tempo e eu nem vejo,a única coisa é q temos q continuar a nossa caminhada,bom ainda não conseguir,e nem sei quando isso vai acontecer,mas DEUS SABE D TODAS AS COISAS É POR ISSO Q ESTAMOS AKI...SINTOO MUITÍSSIMO..
Q DEUS POSSA CONSOLAR O CORAÇÕES D TDS VCS..abrç..